quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

Sobre primeiros assédios e as marcas invisíveis que ficam

Hoje nem era dia de escrever para o blog, mas este assunto ficou martelando a minha cabeça nas últimas horas e resolvi subverter a minha própria regra. Nos últimos anos, muitas mulheres têm contado seus relatos sobre o primeiro assédio e isso tem feito a sociedade refletir a respeito. Foi justamente por ter um espaço com um público considerável que resolvi contar as minhas histórias. Sim, histórias no plural.

Ao longo da vida, as mulheres passam por inúmeros abusos, muitas vezes sem perceber. Isso vai refletindo na nossa autoestima e nos nossos relacionamentos. Por isso, é tão importante falarmos a respeito e entendermos que não estamos sozinhas nessa luta.  

Eu tinha uns 10 anos quando tive meu primeiro contato com a malícia que alguns homens carregam, com esse instinto animal de te olhar como um objeto, como se você fosse feita exclusivamente para satisfazer as necessidades deles. Desde que me entendo por gente, meus pais possuem um comércio em casa. E, nessa época, eu os ajudava. Assim, todos os clientes me conheciam. Alguns eram carinhosos e me abraçavam, mas todos com respeito.

No entanto, um desses clientes olhava-me de forma estranha. Eu dizia para a minha mãe que ele tinha um olhar de “homem mau”. Certo dia, quando eu saía da casa da minha melhor amiga, ele me empurrou contra um muro, dizendo que não era para eu ter medo. Ele passou as mãos sobre os meus peitos e eu fiquei em choque. Não tinha ideia do que era aquilo nem porque aquele homem estava me tocando. A minha reação foi sair correndo para casa.
Fonte da imagem: br.freepik.com




Ao chegar, contei o que aconteceu para o meu pai. Creio que, por ingenuidade, meu pai não acreditou em mim. Pensou que era invenção de criança.  “Como um senhor tão distinto faria isso com a filha dele?”. Então, deixamos para lá. Eu fugia sempre que via aquele homem (que continuou comprando no comércio dos meus pais). Tive certa aversão ao meu corpo. Afinal, eu despertava instintos ruins nos homens. Sim, foi aí que comecei a me culpar.

Os anos passaram e, aos 17 anos, eu trabalhava numa lojinha de lacres.  Um dia, o marido da minha chefe ficou em casa (que era conjugada com a lojinha) e me ofereceu um  lanche. Neguei gentilmente. No entanto, ele insistiu. Fiquei sem jeito de negar outra vez. Quando entrei, ele estava sentado na cama, mostrando as partes íntimas e com uma TV ligada passando filme pornô.  Novamente, fiquei sem chão. Saí correndo e ele veio atrás de mim. Questionou se eu era evangélica e se nunca tinha assistido a filmes daquele tipo. Tranquei o portão e ele ainda tentou entrar várias vezes. Rezei para chegar alguém, rezei para aquele dia acabar logo, rezei para a minha chefe não descobrir, pois eu precisava do emprego. Em poucos dias, ela me demitiu. Ele deve ter inventado algo. Na verdade, acabou sendo um alívio para mim.  Todavia, dessa vez, não tive coragem de contar para os meus pais. Eu não queria preocupá-los.  


Eu acreditava que esse tipo de episódio ficaria ali guardado em lembranças que, quase nunca, aparecem. Entretanto, hoje, vejo que não ter lidado direito com isso refletiu na minha insegurança, nos meus medos e, muitas vezes, prejudicou relacionamentos amorosos. Seria bom que histórias como essas não se repetissem. Caso aconteça, o melhor a fazer é dar suporte para a pessoa que foi vítima desses assédios. E, se você também foi vítima, mesmo que há muito tempo, é importante ter uma ajuda psicológica para tentar entender internamente o quanto isso ainda reflete em você. 

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